Como amante da literatura saramaguiana, sou suspeita em qualquer opinião que possa transmitir acerca do mesmo. Em vários livros do autor podemos observar a presença de um amigo de 4 patas. Tal é o caso de "Ensaio sobre a Cegueira", "A Caverna" e "História do Cerco de Lisboa". O excerto que mais interesse me despertou, e sem dúvida um dos mais bonitos gestos que um cão pode ter para com um humano, foi:
"... A mulher do médico vai lendo os letreiros das ruas, lembra-se de uns, de outros não, e chega um momento em que compreende que se desorientou e perdeu. Não há dúvida, está perdida. Deu uma volta, deu outra, já não reconhece nem a ruas nem os nomes delas, então, desesperada, deixou-se cair no chão sujíssimo, empapado de lama negra, e, vazia de forças, de todas as forças, desatou a chorar. Os cães rodearam-na, farejam os sacos, mas sem convicção, como se já lhes tivesse passado a hora de comer, um deles lambe-lhe a cara , talvez desde pequeno tenha sido habituado a enxugar pratos. A mulher toca-lhe na cabeça , passa-lhe a mão pelo lombo encharcado , e o resto das lágrimas chora-as abraçada a ele."
José Saramago ( 1922-2010 ), in "Ensaio sobre a Cegueira" , pág. 266
"Gostaria de ser recordado como o escritor que criou a personagem do cão das lágrimas, no "Ensaio sobre a cegueira". É um dos momentos mais belos que fiz até hoje como escritor. Se no futuro puder ser recordado como "aquele tipo que fez aquela coisa do cão que bebeu as lágrimas da mulher" ficarei contente" .Se fizerem uma retrospectiva, será que nunca chorou no "ombro" do seu cão? Será que nalgum momento não foi o seu cão a sua única companhia? Será que nunca a sua tristeza foi amenizada por um cão? Será que nalgum dia sombrio foi o toque suave e afável do seu cão que a(o) confortou quando todos a(o) negligenciaram? Será? Contem-nos.
José Saramago in "Público", 15-6-2008
Quanto a mim, já chorei com o meu cão e por momentos, senti que ele estivesse a partilhar a minha dor. Lambeu-me a cara, encostou a sua carinha na minha, eu amo o meu cão e sinto que ele sente o mesmo que eu.
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